25 fevereiro, 2011

37º TRECHO | Pergunte ao Pó

Pergunte ao Pó conta a história de Arturo Bandini, um jovem convícto de ser um “grande escritor”, mesmo tendo escrito apenas “As colinas Perdidas” e “O cachorrinho riu” que, segundo ele próprio diz, não tem nada a ver com a história de um cachorro. O jovem Bandini quer escrever sobre a vida e o amor, mas descobre que não sabe nada sobre ambos, até descobrir que está apaixonado por Camilla Lopez, uma garçonete mexicana que nada quer com ele, e que ama a outro homem.

Pergunte ao Pó é ambientado em Los Angeles na década de 30. Fala sobre os preconceitos da sociedade e sobre a mais louca e irreverente paixão entre um americano e uma mexicana.
Além de, ter enfluênciado uma geração inteira (incluíndo os Beatiniks), o romance de John Fante é um dos títulos mais importantes de sua carreira e tem o prefácio escrito por ninguém mais, ninguém menos que Charles Bukowski.



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"Eu era um jovem, passando fome, bebendo e tentando ser escritor. Nada do que eu lia tinha a ver comigo. Eu tirava livro após livro das estantes. Por que ninguém dizia algo? Por que ninguém gritava? Então, um dia, puxei um livro e o abri, e lá estava. As linhas rolavam facilmente através da página, havia um fluxo. Cada linha tinha sua própria energia e era seguida por outra como ela. (...) E aqui, finalmente, estava um homem que não tinha medo da emoção. O humor e a dor estavam entrelaçados com uma soberba simplicidade. O livro era Pergunte ao Pó e o autor, John Fante. Ele se tornaria uma influência no meu modo de escrever para a vida toda.
Trinta e nove anos depois, reli Pergunte ao Pó. Ele ainda está de pé, como as outras obras de Fante, mas esta é a minha favorita porque foi minha primeira descoberta da mágica."
Charles Bukowski - 5/6/1979


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Dois trechos de PERGUNTE AO PÓ


" Aqui estava a igreja de Nossa Senhora, muito antiga, a argila escurecida pela idade. Por motívos sentimentais, vou entrar. por motivos sentimentais apenas. Não li Lenin, mas o ouvi citado: a religião é o ópio do povo. Falando comigo mesmo nos degraus da igreja: sim, o ópio do povo. Quanto a mim, sou ateu: Li O anticristo e o considero uma obra capital. Acredito na transposição de valores, cavalheiro. A igreja precisa acabar, é o refúgio da burroguesia, de bobos e brutos e de todos os baratos charlatães.
Puxei a imensa porta, abri-a, e ela emitiu um pequeno grito de choro. Acima do altar, crepitava a luz eterna vermelho-sangue, iluminando em sombra carmesim a quietude de quase dois mil anos. Era como a morte, mas também me fazia lembrar bebês chorando no batizado. Ajoelhei-me. Era um hábito, ajoelhar. Sentei-me. Melhor ajoelhar, pois a pontada aguda nos joelhos era uma distração da terrível quietude. Uma prece. Certo, uma prece: por motivos sentimentais. Deus Todo-Poderoso, lamento ser agora um ateu, mas o Senhor leu Nietzsche? Ah, que livro! Deus Todo-Poderoso, vou jogar limpo nesta questão. Vou lhe fazer uma proposta. Faça de mim um grande escritor e eu voltarei à Igreja. E lhe peço, caro Deus, mais um favor: faça minha mãe feliz. Não me importo com o velho; ele tem seu vinho e sua saúde, mas minha mãe se preocupa tanto. Amém.”

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"Querida Camilla, você finalmente veio. Jogou pedrinhas na vidraça e eu a puxei para dentro do quarto, senti seu bafo de uísque e fiquei intrigado enquanto você se sentava ligeramente bêbada diante da minha máquina de escrever dando risinhos enquanto brincava com o teclado. Virou-se então e olhou para mim, e vi seu rosto claramente debaixo da luz, o lábio inferior inchado, a mancha roxa e preta em volta do olho esquerdo.
"Quem bateu em você?", perguntei. E você respondeu: "Acidente de automóvel", e eu falei: "Sammy dirigia o outro carro?", e você chorou, embriagada e com o coração partido. Pude tocar em você então e não me preocupar com o desejo. Pude deitar-me ao seu lado na cama e segurá-la nos braços e ouvi-la dizer que Sammy a odiava, que você dirigiu até o deserto depos do trabalho e que ele a esbofeteou duas vezes por acordá-lo às três da manhã.
- Mas por que você foi vê-lo? - Eu disse.
- Por que estou apaixonada por ele.
Você tirou uma garrafa da bolsa e nós a bebemos; primeiro foi sua vez, depois a minha. Quando a garrafa esvaziou, desci até a drugstore e comprei outra, uma garrafa grande. A noite toda, choramos e bebemos, e bêbado eu podia dizer as coisas que fervilhavam no meu coração, todas aquelas palavras bonitas e os símiles inteligentes, por que você chorava pelo outro sujeito e não ouvia uma palavra do que eu dizia, mas eu as ouvi, e Arturo Bandini foi muito bom naquela noite, Camilla. Ajoelhando-me ao seu lado na cama, tomei sua mão e disse: "ah, Camilla, garota perdida! Abra seus longos dedos e envolva minha alma cansada! Beije-me com a sua boca, por que eu anseio pelo pão de uma colina mexicana. Respire a fragância das cidades perdidas em narinas febris e deixe-me morrer aqui, minha mão sobre o suave contorno de sua garganta, tão parecida com a brancura de uma praia sulina meio esquecida. Apanhe a saudade nesses ohos inquietos e allimente com ela as andorinhas solitárias que atravessam um milharal no outono, por que eu amo você Camilla, e o seu nome é sagrado como o de uma princesa corajosa que morreu com um sorriso por um amor que nunca foi conrrespondido."
Eu estava bebado aquela noite, Camilla, bêbado de uísque de setenta e oito centavos, e você estava bebada de uísque e pesar.
Lembro-me de que depois de apagar todas as luzes, sem roupas, esceto por um sapato que me desconcertava, segurei em meus braços e adormeci...”


O livro teve uma adaptação para o cinema em 2006 com produção de Tom Cruise com Salma Hayek como Camilla e Collin Ferrell como Arturo.

Veja ao trailer do filme:




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Onde encontrar: www.bibliotecadesaopaulo.org.br
www.estantevirtual.com.br


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